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Por Crispian Balmer e Philip Pullella
CIDADE DO VATICANO, 14 Mar (Reuters) - Em sua primeira missa pública, o papa Francisco pediu nesta quinta-feira à Igreja Católica para que se atenha às suas raízes do Evangelho e rejeite as tentações modernas, alertando que ela vai se tornar apenas mais uma entidade beneficente se abrir mão da sua verdadeira missão.
Numa homilia simples e profunda, o papa argentino definiu claramente um caminho moral para os 1,2 bilhão de seguidores da Igreja, que vive um momento de escândalos, intrigas e conflitos.
Falando aos cardeais entre os afrescos da capela Sistina, onde ele foi eleito em conclave na véspera, Jorge Bergoglio declarou que a Igreja deve ficar mais focada nos Evangelhos de Jesus Cristo.
"Podemos caminhar o quanto quisermos, podemos construir muitas coisas, mas se não proclamarmos Jesus Cristo, algo está errado. Vamos nos tornar uma ONG caridosa, e não uma Igreja que é a noiva de Cristo", disse ele, falando em italiano e sem anotações.
Primeiro pontífice não-europeu em 1.300 anos, Bergoglio sinaliza até agora que levará um novo estilo ao papado, favorecendo a humildade e a simplicidade em detrimento da pompa, grandiosidade e ambição entre seus principais dirigentes.
Enquanto seu antecessor, o papa Bento 16, fez sua primeira homilia em latim, apresentando uma ampla visão para a Igreja, Francisco adotou o tom de um pároco, focando a fé.
"Quando caminhamos sem a cruz, quando construímos sem a cruz e quando proclamamos Cristo sem a cruz, não somos discípulos do Senhor. Somos terrenos", declarou ele aos cardeais, que trajavam vestes douradas.
"Podemos ser bispos, padres, cardeais, papas, tudo isso, mas não somos discípulos do Senhor", acrescentou.
Antes, Francisco havia deixado discretamente o Vaticano para rezar por orientação em uma das maiores basílicas romanas, antes de passar por um albergue eclesiástico onde havia deixado suas bagagens antes de entrar no conclave, na terça-feira.
Conhecido pelos hábitos frugais, o novo papa fez questão de pagar a conta. "Ele estava preocupado em dar um bom exemplo sobre o que os padres e bispos devem fazer", disse um porta-voz do Vaticano.
O novo pontífice adiou por alguns dias a visita que pretende fazer ao papa emérito Bento 16 na residência pontifícia de Castel Gandolfo, ao sul de Roma. No mês passado, Bento 16 se tornou o primeiro papa a renunciar em quase 600 anos, alegando que, aos 85 anos, estava frágil demais para conduzir a Igreja em momentos tão desafiadores.
Francisco, de 76 anos, é mais velho do que muitos dos cardeais que eram citados como "papáveis" e sua idade foi uma das muitas grandes surpresas causadas por sua eleição no conclave. O Vaticano disse nesta quinta-feira que ele está "em muito boa forma", apesar de ter tido um pulmão parcialmente removido em uma cirurgia 50 anos atrás.
Bergoglio é o primeiro papa jesuíta, uma ordem tradicionalmente dedicada a servir ao papado, e o primeiro a assumir o nome Francisco, numa homenagem a Francisco de Assis, santo italiano do século 12 que pregava uma vida de simplicidade.
Nenhum vaticanista esperava a eleição do conservador cardeal argentino e nesta quinta-feira começaram a surgir alguns detalhes sobre essa surpresa.
O cardeal francês Jean-Pierre Ricard disse a jornalistas: "Estávamos procurando um papa que fosse espiritual, um pastor. Acho que com o cardeal Bergoglio temos esse tipo de pessoa. Ele é também um homem de grande caráter intelectual, que eu acredito ser também um homem de governança."
Ricard disse que Bergoglio causou boa impressão em seus 114 colegas eleitores pelas coisas que disse nas reuniões que antecederam ao conclave.
O cardeal austríaco Christoph Schoenborn afirmou que o argentino, embora não fosse citado como favorito, já era muito popular entre os colegas desde o começo, e que do contrário "não teria se tornado papa no quinto escrutínio".
(Reportagem adicional de Catherine Hornby, Antonio Denti, Naomi O'Leary, Tom Heneghan e Keith Weir)
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Interessanta a afirmação do Papa Francisco a respeito da relação entre ONG e Igreja.
Para a legislação nacional, toda "igreja" é uma "Organização Religiosa" (art. 44, IV), conforme determinado pelo Código Civil.
Apesar de não ser expressamente uma Associação (art. 44, I), nem seguir as obrigações constitutivas de uma Associação (art. 53-61), as Organizações Religiosas são tratadas como tal naquilo que não conflita com as peculiaridades da "igreja".
Essa, inclusive, foi a discussão no momento da inclusão do inciso IV do art. 44 do Código Civil, em 2003 (Lei n.º 10.825/2003).
Todavia, não erra o pontífice ao comparar a "igreja" com uma ONG, pois sua observação vai ao cerne da questão: efetivamente, toda Organização Religiosa não passa de uma ONG.
Sua diferenciação está naquilo em que nenhum Estado, laico ou religioso, é capaz de ingerir: a relação da comunidade de fé e do Humano com o transcendente.
Nessa relação, não importa se o Estado impõe um pensamento ou uma crença ou, mesmo, a ausência de crenças (sempre haverá uma crença, seja ela conceitualmente compreendida como espiritual ou material, religiosa ou científica, humanista ou qualquer outro 'ismo' conhecido ou a ser criado). O Humano e a comunidade de fé sempre transgridirão as imposições. A transgreção ao sistema (qualquer um) chega a ser inerente à fé.
Ora, não sendo passível de ingerência pelo Estado, impõe-se a liberdade de crença e pensamento para que a Sociedade estabelecida possa se sustentar e não implodir em disputas autofágicas.
Não haver ingerência do Estado na 'fé' não significa, contudo, que se possa conceber uma existência metafísica para a Organização Religiosa.
Toda Organização Religiosa é indissociavelmente uma ONG na relação civil que esta mantém com as Pessoas Jurídicas ou Físicas em seu dia a dia.
Seu objetivo evangelístico não a desvirtua de suas característivas 'terrenas' e descritas na legislação nacional. Tal objetivo a singulariza, a torna sublime, mas não a excepciona do cumprimento das leis do Estado.
Não se quer significar o tratamento das Organizações Religiosas como empresas lucrativas, mas, também, não devem ser tratadas como entes intangíveis e imunes dentro da Sociedade.
A afirmação do Papa Francisco coloca o foco interno da igreja na direção correta. Suas atitudes externas de benemerência não devem ser realizadas sem o fundamento que sempre a constituiu: o Amor de Deus Trino exposto na cruz redentora e salvífica de Jesus Cristo.
Mas, também, tal afirmação retrata uma compreensão que deveria se tornar comum: que a igreja não é mais diferente das demais associações civis que são, igualmente, benemerentes.
Diferenciada naquilo que é, realmente, diferente, a Igreja de Cristo pode cumprir seu papel.